A luta contra a corrupção na América latina: uma guia das políticas existentes em três países

           CORRUPCAO             Susan Rose-Ackerman, no seu livro Corrupção e governo, escreveu: “a corrupção é o abuso da função pública para obter vantagens ou benefícios privados”. Implica uma ênfase no âmbito público, porem se pode dar no âmbito privado também. Podemos classificar a corrupção em três modalidades:

1) Segundo o alcance geográfico, a corrupção pode ser local (em alguma região, cidade ou distrito, frequentemente nas municipalidades), nacional (órgãos centrais do Estado), ou internacional (práticas de suborno nas relações de empresas transnacionais com funcionários do país).

2) Segundo o alcance qualitativo, se pode fazer uma distinção entre corrupção “endêmica” (arraigada nos hábitos culturais e nas práticas dos agentes que desempenham uma função fiduciária numa instituição, região, país, o que é extremadamente difícil de erradicar já que os agentes públicos consideram que os ingressos por corrupção são parte integrante da sua remuneração; portanto, se o Estado acabar com a corrupção, deveria suprir o que os agentes públicos deixam de perceber por atos ilícitos) e corrupção “episódica” (fatores circunstanciais como o estabelecimento dum governo autoritário; esta modalidade de corrupção pode ser facilmente superada).

3) Segundo o alcance quantitativo, podemos distinguir entre corrupção “generalizada” (uma prática estendida num Estado que vai acompanhada duma atitude de resignação ou indiferença por parte do público, que chega a considerar que assim são as coisas) e corrupção “focalizada” (concentração em alguns serviços públicos ou instituições).

A corrupção é um problema que concerne todos os países do mundo. Contudo, a América latina parece sofrer mais deste problema que a União Europeia; entanto, vamos nos enfocar em três países do continente latino-americano: a Argentina, o México, e evidentemente o Brasil. Vamos abordar os mecanismos que existem nestes países para lutar contra a corrupção já que seria muito longo falar de casos específicos em cada país. Pelo tanto, este artigo será um estudo de casos.

            Desde os anos 90, existe uma percepção generalizada na Argentina de que a corrupção é um dos três ou quatro problemas mais sérios do país. Isso tem descido o país permanentemente no ranking de percepção da corrupção que elabora Transparency International (TI). Em 2017, ocupou o lugar 85 entre 180 nações.

¿Quais são as principais leis, medidas e instituições sobre o acesso à informação pública e a anticorrupção na Argentina? A mais emblemática das medidas adoptadas foi a criação em 1999 da Oficina Anticorrupção (OA), dependente do Ministério de Justiça da Nação. Desde a OA se impulsaram medidas concretas como a Lei de ética pública, que impõe a obrigatoriedade de todos os funcionários do Poder Executivo nacional de completar declarações juradas patrimoniais anuais, detalhando os seus bens e os dos seus parentes próximos. Tais dados são de acesso público (exceto a informação sensível ou privada). Aquela oficina também impulsou a redação dum projeto de Lei de acesso à informação pública que contasse com um consenso da sociedade civil. Foi aprovada em 2017.

A OA segue funcionando hasta o dia de hoje, ainda que com quase nula atividade; o sistema de declarações juradas foi limitado em seu alcance, e a Lei de acesso à informação pública tomou 15 anos para ser aprovada (desde Kirchner). Isso se suma à paralisia virtual doutros organismos de controle da corrupção, como a Sindicância Geral da Nação (SIGEN), a Promotoria de Investigações Administrativas (FIA) e a Defensoria do Povo da Nação, refletindo assim os conflitos domésticos e as relações do poder com os recursos públicos. Neste último caso, por exemplo, o posto do Defensor tem estado vacante desde 2009 hasta a atualidade. O chefe da FIA se viu forçado a renunciar em 2009 por investigar o suposto enriquecimento ilícito do casal Kirchner enquanto ocupavam a presidência da Nação. Na AO, se designou como chefe a um funcionário com vínculos fortes com o governo. Apesar disso, a situação na Argentina parece avançar.

 

            No índice anual da percepção da corrupção de TI que vai de 0 a 100 pontos (sendo 0 a pior qualificação), o Brasil tem estado sempre debaixo dos 50 pontos.

Frente aos escândalos públicos e devido ao progresso da área de transparência e anticorrupção, se tem tomado medidas importantes para controlar este flagelo. De especial importância é a Lei de improbidade administrativa, que define o enriquecimento ilícito e os atos que prejudicam as arcas públicas. Outra norma relevante é a Lei contra a lavagem de dinheiro e ocultação de bens. Por iniciativa da sociedade civil, também se aprovou a Lei de registro limpo, que impede que um político condenado postule a cargos públicos. Em 2013, logo das massivas protestas, se promulgou também a Lei anticorrupção, que define a responsabilidade das empresas privadas pelos atos contra à administração pública. Em matéria de transparência, no ano 2009 se ditou uma lei que obriga a todos os governos a publicar na internet seus gastos e ingressos. Finalmente, em 2011 se aprovou a Lei de acesso à informação, aplicável a toda a administração pública, incluindo o nível local, o Poder Judicial, o Poder Legislativo, assim como o Ministério Público. No entanto, normas recentes têm permitido usar a “delação compensada”, ou seja, um acordo entre investigadores e investigados para que estes ajudem a aqueles a câmbio dum trato mais benévolo. Dita técnica está sendo muito utilizada na operação Lava Jato que está dividindo o Brasil agora mesmo.

Quanto aos órgãos, a Policia Federal e o Ministério Público federal estão atuando contra a corrupção. Outro órgão relevante, criado recentemente, é a Controladoria-Geral da União (CGU), um Ministério responsável pelo Poder Executivo nacional e que tem faculdades de transparência, integridade, ombudsman, investigação e correção.

Ao nível estatal e municipal, o combate contra a corrupção está longe de se empreender. As instituições de controle são muito frágeis. Muitas das leis mencionadas, em teoria, são aplicáveis a nível estadual, porem são ignoradas aí. A Lei de acesso à informação, por exemplo, ainda não tem regulamentada na maioria das cidades. Na prática, exceto exceções, não funciona a nível local. Por certo, as leis e instituições mencionadas também não funcionam perfeitamente nem constantemente a nível federal, mas o Brasil tem hoje muitas mais ferramentas para lutar contra a corrupção.

            No México, se pode dizer que a corrupção é um problema endêmico porque é generalizada, de longa data e está enraizada nas práticas político-institucionais da nação. Tanto as estimações sobre o custo dos atos corruptos nas economias familiares e para a economia nacional como as pesquisas de percepção colocam ao México em lugares pouco honrosos. Em 2017, só o Venezuela teve um lugar pior no continente: o índice anual de percepção da corrupção colocou o México no lugar 135 entre 180 países. Por certo, os custos econômicos são consideráveis. O Fórum Econômico Mundial estima que a corrupção lhe custa ao país cerca do 9% do seu PIB. Transparencia México (o capítulo de Transparency International no México) estima o gravame da corrupção em cerca de 40 mil milhões de pesos (2,15 mil milhões de dólares).

Contudo, parece que o Estado mexicano tem apostado em estabelecer instituições. Além do Instituto federal de acesso à informação, recentemente se criou na Constituição um Sistema nacional anticorrupção. Ademais, o México tem tomado muitas iniciativas internacionais, ainda que com frequência insincera ou meramente cosméticas. Vejamos alguns exemplos:

1) A Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, de 2003, se materializou o 9 de dezembro deste ano na cidade de Mérida (no Estado do Yucatán), numa conferência política de alto nível organizada pelo México. Comemorando dita ocasião, a Assembleia Geral da ONU declarou aquele dia como o Dia internacional contra a corrupção. Este tratado tão importante, que entrou em vigor em 2005, se conhece desde então como a Convenção de Mérida. Se bem que isso se pudesse qualificar como um logro em matéria de imagem para o país, seus alcances são meramente formais.

2) Seis anos atrás, um funcionário público mexicano foi postulado com êxito para presidir o Comitê de expertos do Mecanismo de acompanhamento da implementação da Convenção interamericana contra a corrupção (MESICIC) da Organização dos Estados Americanos (agora se trata dum uruguaio).

Estes esforços contrastam com alguns problemas no âmbito nacional. Por exemplo, alguns órgãos do Estado (a autoridade tributaria e a Procuradoria Geral da República principalmente) têm negado acatar resoluções em matéria de transparência. Outra contradição foi a proposta presidencial de abolir o Ministério da Função Pública, instancia encarregada de combater a corrupção no governo federal e da implementação dos mecanismos de controle na administração pública. A pesar de que este Ministério não se tenha destacado por sua efetividade e que o projeto ainda não se tenha concretado, o ponto crucial é que a iniciativa de o abolir não foi acompanhada duma política séria para combater a corrupção. O mencionado Ministério esteve sem Ministro por muitos anos, e desde anos subsiste mais que existe. Por outra parte, os informes da Auditoria Superior da Federação poderiam permitir seguir atos de corrupção. Contudo, o Estado é renuente ou incapaz de o fazer; as investigações persecutórias são ineficientes e com frequência são revertidas pelos juízes de controle constitucional.

            Também tem muitos outros países que têm os mesmos problemas. Contudo, estes últimos anos temos visto muitos casos de corrupção nestes três países. Tivéssemos podido tomar outros países como exemplos, mas a Argentina, o Brasil e o México são os três gigantes do subcontinente; portanto, consideramos que é importante falar deles.

Ao contrário da União Europeia, os países da América latina e o Caribe não cooperam em matéria de corrupção, a pesar de que alguns casos são transfronteiriços. No caso da EU, se implementaram algumas políticas conjuntas, porem se trata dum sistema de integração regional eficiente. No caso latino-americano e caribenho, os sistemas de integração são fragmentados e pouco eficientes; entanto, poderia ser uma mera cooperação. Um país como o Uruguai ou a Costa Rica sempre obtêm bons resultados neste ranking anual; poderiam liderar o desenho de políticas eficientes para o subcontinente ou, pelo menos, para seu sistema de integração regional respetivo (MERCOSUL e SICA). Como em muitos âmbitos, a América latina e o Caribe devem entender que precisam duma cooperação regional reforçada para melhorar a situação, porem desafortunadamente lhe falta muita vontade.

Processos de integração econômica regional: possibilidades de aplicação na América latina a través do exemplo da União Européia

INTEGRACAO ECONOMICA REGIONAL

             Hoje, decidi escrever um artigo em português sobre os processos de integração econômica já que acho que é muito importante para compreender aonde pode e deve ir a América latina, pois creo que a América latina pouco a pouco deveria implementar políticas regionais uniformes em conjunto. Por qué em português? É muito simples: o Brasil é o pais mais importante da região, e se não quiser avançar com este assunto, a região também não vai poder avançar. O Brasil, segundo eu, deve entender seu papel e fazer melhor uso da sua liderança no subcontinente para o bem comum.

Na primeira parte, vamos explicar o conceito de integração regional, para logo poder falar dos acordos e niveis de cooperação regional identificados desde um ponto de vista econômico. O objetivo é que a América latina em geral e o Brasil em específico compreendan as diferentes etapas para lograr uma cooperação e integração regionais similares a o que existe no seio da União Européia (UE).

               A creação da UE remonta aos anos 1950s, quando a França, a Alemanha, a Itália, os Países Baixos, o Luxemburgo e a Bélgica decidiram associar-se para acabar com a guerra. Ao longo dos anos, 22 outros países foram integrados, formando um bloco regional de 28 paises até agora.

O incremento do regionalismo constitui hoje em dia um dos aspectos mais importantes nas relações econômicas internacionais. Este fenômeno é generalizado á escala do planeta já que toca de maneira direta ou indireta o conjunto dos continentes. Na práctica, manifesta-se na criação de áreas econômicas integradas como a UE ou, mais simplesmente, encontra suas origens nos acordos de livre comêrcio como o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA em inglês), a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN em inglês) ou o MERCOSUL, que são os mais conhecidos. As razões do deslocamento para a integração econômica regional ainda são complexas de apreender. Em geral, justifica-se de duas maneiras diferentes: a aceleração do crescimento potencial que provoca e a globalização dos mercados que permite; o fato que representa uma resposta defensiva á formação doutros blocos comérciais ou econômicos.

A globalização é antes que tudo um processo de esquiva, desmorono e para terminar desmantelamento das fronteiras físicas e regulamentárias que obstaculizam a acumulação do capital á escala mundial. Falar do processo de integração econômica européia é fazer referência implícitamente á globalização, é evocar a predominância dum sistema econômico (o capitalismo) sobre o espaço mundial.

Também se manifesta no plano geopolítico. Com o colapso do bloco soviético, um dos maiores obstáculos á expansão do capitalismo desapareceu. Onde governos comunistas subsistem, como na China, é em parte por causa das políticas implementadas para a abertura á economia de mercado e ao fluxo de capitais. Em outros lugares, como na África e na América latina, a penetração do capitalismo está alentada de maneira sistemática pelas instituções financeiras internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Banco Mundial para promover a difusão da lógica de mercado – apesar de ir contra do processo de desenvolvimento sustentável.

Nos anos 1950s, a UE parecia ser uma exceção, porém desde uma vintena de anos o número de acordos comérciais aumentou no mundo. A integração regional é um fenômeno que toca paises geograficamente cerca, entre os quais as relações econômicas tendem a liberar-se das fronteiras políticas para favorecer a creação de mercados integrados. Sem importar a forma institucional da regionalização, o objetivo sempre é o mesmo: eliminar os obstáculos aos intercâmbios dentro da área. Em concreto: ou considera-se como um processo típicamente liberal, quer dizer, uma modalidade do processo de globalização que constitui uma etapa transitória que acelera os fluxos de intercâmbios internacionais e que cheva ao livre-comércio mundial; ou considera-se o reforço dos vínculos regionais como uma alternativa á globalização, ou seja, uma retirada dos paises membros em direção a um protecionismo disfarçado.

 

            Os acordos regionais outorgam a certos paises facilidades de acesso ao mercado interior que não se concedem aos outros paises. Em concreto, são acordos preferenciais discriminatórios, que podem chevar á integração de certas políticas – o que implica uma transferência de soberania para uma instância supranacional. É preciso destacar que o comércio entre os paises da América latina é muito baixo, apesar de ter muito potencial, pois falamos de um mercado de 615 millões de pessoas – um quinto mais que na UE – uma cifra que cresce muito rápido. Por isso, achamos que os paises da América latina deveriam organizar-se para alcançar uma maior cooperação intrarregional (seja económica, política, social, etc.), como no caso da UE, e usar este potencial para o desenvolvimento comum e mútuo.

Balassa, em sua teoria sobre a integração regional, define vários niveis de integração econômica que podemos classificar em sete niveis crescentes:

  • Associações e fórum de cooperação econômica: trata-se de uma associação de paises fundada numa lógica regional e intrarregional, que procura organizar uma cooperação entre os Estados em matéria de economia no sentido largo (políticas macro-econômicas, investimentos). Aquelas associações não se fundam em lógicas comérciais; fala-se então de “regionalismo aberto”, em oposição ao “regionalismo fechado”. No entanto, estes fórum podem também ter como objetivo a preparação da formação duma área de livre-comércio. Alguns exemplos são: a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Diálogo Ásia-Europa (ASEM em inglês), a Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC em inglês).
  • Acordos de preferência não-recíprocos: fundam-se na outorga unilateral a certos paises exportadores sem que os paises importadores obtenham ventagens equivalentes. Por exemplo, a UE abre seus mercados sem exigir reciprocidades imediatas a certos paises da Bacia do Mediterrâneo, da Europa central ou da África, Caribe e Pacífico (ACP).
  • Área de livre-comércio: é uma área onde os direitos aduaneiros e as restrições comerciais são abolidos entre os paises membros. Corresponde ao nível mínimo de integração, onde cada pais conserva a possibilidade de fixar direitos aduaneiros e quotas segundo os seus interesses próprios frente aos paises alheios á área de livre-comércio. Exemplos: o NAFTA, a Associação Européia de Comércio Livre (EFTA em inglês), a ASEAN.
  • União aduaneira: é uma área de livre-comércio onde os paises devem concertar-se para elaborar uma política aduaneira comum para os paises não membros. Implica a implementação duma taxa externa comum sobre as importações do resto do mundo, além do intercâmbio das receitas aduaneiras segundo as regras estabelecidas. Alguns exemplos são: o MERCOSUL – onde observam-se progressos no desenvolvimento do comércio e na vontade de desenvolver a democracia, porém a cooperação ainda sofre da pobreza relativa da área e da rivalidade política y econômica entre os dois grandes (a Argentina e o Brasil), a CAN, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC em inglês). Na UE, aquelas receitas alimentam o presupuesto comunitário.
  • Mercado comum: corresponde a uma união aduaneira que estende o acordo de liberalização aos fatores de produção (trabalho, capital financeiro, capital técnico). Constitui uma etapa dificil: o Tratado de Roma da UE, assinado em 1957, considerava a creação dum mercado comum que entrou na via de finalização com o Mercado único em 1993. O MERCOSUL considerava um mercado comum que ainda é incipiente.
  • União econômica: é representada pela harmonização das políticas econômicas nacionais no marco dum mercado comum. O objetivo é a definição de regras comuns para o conjunto das empresas e dos agentes econômicos concernidos. Os paises aceitam ter políticas macro-econômicas comuns (política orçamentária, política monetária). A união monetária implica a definição de paridades fixadas e revogáveis entre os paises da união. Pode ser possível e sustentável só se os Estados perderem a independência da sua política monetária, que então pode tornar-se comum. Na UE, a política monetária é definida pelo Banco Central Europeo (BCE).
  • Integração econômica total: constitui o maior grado da integração. É uma estrutura supranacional que, além da união econômica, precisa duma harmonização das políticas monetária, social, fiscal e conjuntural, cuja implementação é o fruto duma comissão á qual participa cada país membro. Considera-se que a UE atualmente está nesta etapa.

 

               Consideramos que as tentativas atuales de cooperação/integração regional na América latina como o MERCOSUL, a CAN o a Aliança do Pacífico não são suficientes. Precisa-se dum reforço das mesmas, pois achamos que não funcionam bem, e duma cooperação entre os blocos para a longo prazo harmonizar no mínimo as políticas económicas e formar um único bloco latinoamericano. É muito dificil, como o podemos ver com os problemas da UE, mas temos que considerar que sem esta união, os intercâmbios e o comércio entre seus membros seriam muito menores, e não teria o mesmo poder econômico que agora tem. Só temos que ver o que acontece com o Brexit: o Reino Unido procura desesperamente ter acceso ao mercado comum da UE já que está consciente dos benefícios. A América latina também deve ser consciente dos benefícios y avançar.

A União Européia e o Brasil: uma relação com potencial

relacoes-ue-brasilDo 5 de agosto ao 18 de setembro 2016, o Rio de Janeiro foi a cena do esporte mundial. Uma ocasião para falar um pouco das relações entre o Brasil e a União Européia, que não se limitam ao comercio, senão que também implicam a política e a historia. Também aquele tema nos vai conduzir a falar um pouco sobre as relações entre o Brasil e a América do Sul já que pode explicar em parte as relações com a UE na medida em que a UE prefere negociar com o subcontinente inteiro.

Geograficamente, o Brasil é um país gigante e bem variado que produz uma grande variedade de matérias primarias. Tem fronteiras com todos os outros países da América do Sul continental, com exceção do Chile e do Equador. Entre aqueles países temos a França, com seu território da Guiana Francesa. É importante mencioná-lo porque é uma característica especial que pode explicar em parte as relações com a União Européia, facilitadas ademais pelos vínculos históricos do Brasil com Portugal. O Suriname tem influencia holandesa, e o resto da América do Sul tem influência da Espanha, então temos um subcontinente bastante uniforme que desde séculos possui uma historia vinculada com o continente europeu. Podemos dizer que em certa medida é um pouco como uma dobre identidade: americana e européia (e também africana, mas é outro tema). O Brasil não é uma exceção neste continente e, além disso, está no centro – por seu tamanho, seu peso econômico e sua posição geográfica.

Em relação com a política, o Brasil foi um dos primeiros países em estabelecer relações diplomáticas com a UE. Em efeito, as duas partes procederam na década de 1960 à troca de missões diplomáticas formais. Em 2007, a UE reconheceu o Brasil como um dos seus principais parceiros mundiais através do estabelecimento formal da Parceria Estratégica UE-Brasil: isso converteu o Brasil em um dos 10 países no mundo em ter este tipo de acordo com a UE (um de três na região da América Latina e o Caribe), o seja que o Brasil constitui um dos maiores sócios políticos e comerciais da UE no mundo. Trata-se em certa medida de um reconhecimento formal. O acordo põe cinco líneas de cooperação principais: as alterações climáticas, a energia sustentável, o combate à pobreza, o processo de integração do MERCOSUL e a estabilidade e prosperidade na América Latina. Até a presente data, foram realizados diálogos regulares em mais de 15 domínios, nomeadamente: questões políticas e de direitos humanos, ambiente e alterações climáticas, cultura e educação, transportes marítimo e aéreo, energia e ciência e tecnologia. Estes diálogos políticos não têm caráter vinculativo: são encontros onde as autoridades expõem os sucessos, os fracassos e os desafios multilaterais a vir, onde reafirmam seu compromisso por melhorar a situação, mas não dialogam dos desafios e problemas domésticos. Não têm muita incidência, mas pelo menos existem.

Em conseqüência, temos tudo para que funcione a relação, no entanto essa relação não funciona como poderia para gerar ganâncias para todos os países. A pergunta que podemos expor é a seguinte: por que as relações – não somente comerciais senão também políticas e diplomáticas – entre ambos não são melhores? Uma resposta é precisamente o Brasil: é o “B” do acrônimo B.R.I.C.S, o líder do MERCOSUL (que é o quarto bloco comercial do mundo) e do Grupo do Rio, e é o país mais importante e rico da região – deixemos a justiça social, a corrupção e as desigualdades afora já que não é o tema de hoje. No entanto, incumbe-lhe ser o líder e o sabe bem. O problema é que só pensa nos seus benefícios particulares: sabe que a UE é mais forte que a América do Sul e não quer formar uma aliança mais forte com a UE porque perderia um pouco da sua liderança na área; e também porque a UE, precisamente por ser um bloco mais forte, imporia as regras a seus sócios sul-americanos. Claro, não é o único país que pensa assim, mas é o líder e tem esse poder e esse dever de contribuir à melhora da relação. Não seria mau no absoluto se o Brasil não quisesse muita interferência européia para que a América do Sul não estivesse submetida à UE, mais essa não é a razão: a razão é o poder. Em outras palavras: o Brasil é o líder da região e não faz um bom uso desta liderança, segundo eu.

Uma ilustração é o acordo preferencial entre o MERCOSUL e a UE que está sendo negociado desde o ano 2000 – 16 anos de processo até agora – e que foi suspendido entre 2004 e 2010 por “divergências fundamentais devidas a profundas assimetrias que existem em termos de dimensão e de características econômicas entre os membros do MERCOSUL que podem traduzir-se em diferenças de capacidade”. Segundo a UE, o problema foram os países do MERCOSUL, não a UE, porém é uma frase que se aplica principalmente ao Brasil sem que a UE tenha que nomeá-lo já que é o líder. É diplomacia por parte da UE. No entanto, como vimos, como líder o Brasil quer impôr sua estrategia aos outros, mas não será fácil já que tem a tendência a pensar que pode impôr qualquer coisa a seus sócios – um pouco como o faz a UE com os países menos avançados que seus membros. O problema é que aqueles países do MERCOSUL vão ter que concordar e avançar juntos, enquanto o Brasil vai ter que liderar as negociações dentro do bloco. O objetivo do acordo é negociar um acordo comercial abrangente, que contemple não somente o comércio de bens industriais e agrícolas, mas também o comércio de serviços, a melhoria das regras relativas aos concursos públicos, a propriedade intelectual, a facilitação dos procedimentos aduaneiros e comerciais e a remoção dos obstáculos técnicos ao comércio. Em outras palavras: um acordo de livre-câmbio que deverá aumentar as oportunidades de comércio e investimento com a UE através da eliminação das barreiras pautais e não pautais.

Ademais, temos que ressaltar que a União Européia é o maior sócio do Brasil (19,5% do total do seu comércio), enquanto isso o Brasil é o décimo sócio da UE (2% do comércio da UE) – vocês já o compreenderam, a UE é mais importante para o Brasil do que o é o Brasil para a UE em termos comerciais, o que significa que o Brasil tem que fazer mais compromissos que a UE. Isso é pura lógica comercial. A UE importa principalmente matérias primarias desde o Brasil, enquanto isso o Brasil importa sobretudo produtos manufaturados da UE. Também há de destacar que a UE recusa negociar um acordo deste tipo com o Brasil como país, o que explica em parte o paro das negociações entre 2004 e 2010. A razão para isso é simples: a UE quer contribuir a promover e melhorar as relações e a cooperação regional entre os países do MERCOSUL, e também negociar de bloco a bloco ( de “igual a igual” como diz), o que significa que os paises do MERCOSUL vão ter que achar soluções para colaborar entre si. Em outras palavras: se não avançarem com o tema da integração regional, os países do MERCOSUL nunca beneficiarão de um acordo de livre-câmbio com a UE, o seja nem a Argentina, nem o Uruguai, nem o Brasil.

Mas também tem outra razão para este paro – que a UE não quer deixar a conhecer: a UE não quer importar produtos manufaturados dos paises do MERCOSUL para proteger o seu mercado doméstico, põe como uma barreira, enquanto isso quer exportar seus produtos manufaturados ao MERCOSUL, o que causa um desequilíbrio entre os dois bloques: a UE importaria matérias-primas do MERCOSUL que modificaria para exportá-las ao MERCOSUL, e o MERCOSUL não poderia exportar produtos manufaturados. Eu acho que este punto também é muito relevante para entender a situação!

Por fim, é importante destacar que a UE é o maior investidor estrangeiro no Brasil: estima-se que aproximadamente 50% do investimento direto estrangeiro provêm da UE, porém isso acontece na maioria dos países da AL. Os EE. UU ou a China não investem tanto quanto se pode crer.

aquele investimento tem um fim, e aparece importante mencionar que a UE concede financiamentos ao Brasil para levar a cabo projetos de desenvolvimento, sobretudo em matéria de direitos humanos, proteção ao ambiente, educação, saúde, agricultura sustentável e migrações. Parte daquelas subvenções é outorgada a todos os países elegíveis aos programas, no somente ao Brasil. Antes, o Brasil podia beneficiar de financiamentos adicionais que eram concedidos somente ao país, mas a partir de 2014 a UE deixou de considerar o Brasil como um país em desenvolvimento, o que se reflete em que deixou de ser elegível a programas específicos de desenvolvimento – lhes poupo os términos que usa a UE para referir-se a seus tipos de programas porque são bastante complicados e lhes confundiria.

Esta ajuda da UE, em aparência generosa, esconde algo: se a UE for o maior sócio do Brasil, não é uma coincidência, é em parte graças a estas ajudas e investimentos financeiros. Ao estar presente e visível no país, a UE se assegura, entre outras coisas, de ter uma posição importante para aceder ao mercado deste gigante país – também para a paz e os objetivos do milênio/de desenvolvimento durável. É muito importante para os seus interesses estratégicos e geopolíticos, e não somente no Brasil, mas também em todos os países da região. A UE está comprometida com ajudar, mas não a qualquer preço, pois sempre viu a cooperação ao desenvolvimento como algum tipo de negócio – e segundo eu em isso se erra, como o expliquei em meu artigo em espanhol do 16 de maio de 2016 titulado “La importancia del idioma en la diplomacia para el desarrollo de la Unión Europea”, já que vincular o desenvolvimento de um país inteiro com o seu PIB bruto não faz sentido: o Nordeste não é tão rico quanto São Paulo por exemplo. Também é uma situação que os direigentes do Brasil veem.

Outro problema que temos que considerar é a falta de concerto e de uma política comum entre as autoridades européias e brasileiras quanto aos direitos humanos: muitas vezes, a UE desde Bruxelas define em seus documentos as prioridades dos países estrangeiros sem realmente concertar-se com as autoridades desses países, induzindo assim que sabe melhor o que é bom para os países estrangeiros. É um jeito de promover e projetar uma definição da democracia que fundamentalmente lhe é própria. O resultado é que tenta melhorar a situação no Brasil apoiando às Organizações da sociedade civil – o que é legal – mas muitas vezes sem que as autoridades do país concordem – o que é ruim. Opinamos que deveria dialogar mais com as autoridades brasileiras antes de lançar uma convocatória já que não é muito bom para a diplomacia: o país mesmo sempre vai saber melhor como está a situação que uma entidade alheia, cujos diplomatas baseados em Bruxelas não sabem nada sobre a ajuda ao desenvolvimento em geral, pois a maioria das vezes são puros economistas ou políticos que nem sequer falam o idioma dos países para os que diseñham as políticas e que desconhecem totalmente a realidade desses países. Portanto, uma solução intermediária poderia consistir em delegar poderes e dar mais margem de ação às Delegações da UE nos países já que há uma Delegação em quase cada capital do mundo – no caso do Brasil, em Brasilia. Assim, a Delegação da UE no Brasil poderia discutir com as autoridades brasileiras e decidir o que é melhor para o país. Levaria tempo para concordar, mais valeria a pena já que os benefícios seriam muito maiores a meio-termo.

Tomemos como exemplo o projeto “Cidadania, comunicação e cooperação para a proteção de crianças e adolescentes da cidade de João Pessoa”, implementado entre fevereiro 2015 e fevereiro 2017. A idéia parece boa, e é um tema sumamente importante, mas foi decidido unilateralmente. “Combater a discriminação e aliviando a situação de pobreza das pessoas LGBTI no Brasil (janeiro 2015-janeiro 2018)”? Igual. Se estes projetos não tiverem o apoio do governo mesmo e das autoridades públicas desde o início, nunca vão ter sucesso a grande escala. Compreendo que não seria muito fácil, mas ganhariam em legitimidade, eficácia e eficiência. A UE tem que pôr um marco, uma folha de ruta em concertação com as autoridades brasileiras.

Para resumir, podemos dizer que a cooperação entre o Brasil e a UE é bastante desequilibrada e que carece de eficácia: por um lado, temos um continente que diz que quer ter relações de igual a igual com um país – o dar essa ilusão – mas que se comporta como se estivesse mais avançado que o Brasil e o MERCOSUL – o que é verdade, mas isso o conduz a comportar-se de maneira vaidosa. Por outro lado, temos um país que está menos desenvolvido que a UE, mas que quer ter relações de igual a igual com um continente – o dar essa ilusão – e que se comporta como si fosse superior ao resto dos países do MERCOSUL.

Aqui nos damos conta do verdadeiro problema e de que a relação não vai aprofundar-se se seguirem assim: o rumo é diferente, não querem chegar a um compromisso, cada um quer impor sua visão e seus interesses aos outros. Isso não é cooperação. Neste sentido, o Brasil tem o mesmo comportamento com o MERCOSUL e a UE que a UE com o Brasil e o MERCOSUL. Portanto, achamos que as relações têm muito potencial, mas que as partes vão ter que esforçar-se e fazer compromissos: um acordo é uma negociação, é uma cooperação. Será a única maneira de construir pontes entre os países e os povos.