A luta contra a corrupção na América latina: uma guia das políticas existentes em três países

           CORRUPCAO             Susan Rose-Ackerman, no seu livro Corrupção e governo, escreveu: “a corrupção é o abuso da função pública para obter vantagens ou benefícios privados”. Implica uma ênfase no âmbito público, porem se pode dar no âmbito privado também. Podemos classificar a corrupção em três modalidades:

1) Segundo o alcance geográfico, a corrupção pode ser local (em alguma região, cidade ou distrito, frequentemente nas municipalidades), nacional (órgãos centrais do Estado), ou internacional (práticas de suborno nas relações de empresas transnacionais com funcionários do país).

2) Segundo o alcance qualitativo, se pode fazer uma distinção entre corrupção “endêmica” (arraigada nos hábitos culturais e nas práticas dos agentes que desempenham uma função fiduciária numa instituição, região, país, o que é extremadamente difícil de erradicar já que os agentes públicos consideram que os ingressos por corrupção são parte integrante da sua remuneração; portanto, se o Estado acabar com a corrupção, deveria suprir o que os agentes públicos deixam de perceber por atos ilícitos) e corrupção “episódica” (fatores circunstanciais como o estabelecimento dum governo autoritário; esta modalidade de corrupção pode ser facilmente superada).

3) Segundo o alcance quantitativo, podemos distinguir entre corrupção “generalizada” (uma prática estendida num Estado que vai acompanhada duma atitude de resignação ou indiferença por parte do público, que chega a considerar que assim são as coisas) e corrupção “focalizada” (concentração em alguns serviços públicos ou instituições).

A corrupção é um problema que concerne todos os países do mundo. Contudo, a América latina parece sofrer mais deste problema que a União Europeia; entanto, vamos nos enfocar em três países do continente latino-americano: a Argentina, o México, e evidentemente o Brasil. Vamos abordar os mecanismos que existem nestes países para lutar contra a corrupção já que seria muito longo falar de casos específicos em cada país. Pelo tanto, este artigo será um estudo de casos.

            Desde os anos 90, existe uma percepção generalizada na Argentina de que a corrupção é um dos três ou quatro problemas mais sérios do país. Isso tem descido o país permanentemente no ranking de percepção da corrupção que elabora Transparency International (TI). Em 2017, ocupou o lugar 85 entre 180 nações.

¿Quais são as principais leis, medidas e instituições sobre o acesso à informação pública e a anticorrupção na Argentina? A mais emblemática das medidas adoptadas foi a criação em 1999 da Oficina Anticorrupção (OA), dependente do Ministério de Justiça da Nação. Desde a OA se impulsaram medidas concretas como a Lei de ética pública, que impõe a obrigatoriedade de todos os funcionários do Poder Executivo nacional de completar declarações juradas patrimoniais anuais, detalhando os seus bens e os dos seus parentes próximos. Tais dados são de acesso público (exceto a informação sensível ou privada). Aquela oficina também impulsou a redação dum projeto de Lei de acesso à informação pública que contasse com um consenso da sociedade civil. Foi aprovada em 2017.

A OA segue funcionando hasta o dia de hoje, ainda que com quase nula atividade; o sistema de declarações juradas foi limitado em seu alcance, e a Lei de acesso à informação pública tomou 15 anos para ser aprovada (desde Kirchner). Isso se suma à paralisia virtual doutros organismos de controle da corrupção, como a Sindicância Geral da Nação (SIGEN), a Promotoria de Investigações Administrativas (FIA) e a Defensoria do Povo da Nação, refletindo assim os conflitos domésticos e as relações do poder com os recursos públicos. Neste último caso, por exemplo, o posto do Defensor tem estado vacante desde 2009 hasta a atualidade. O chefe da FIA se viu forçado a renunciar em 2009 por investigar o suposto enriquecimento ilícito do casal Kirchner enquanto ocupavam a presidência da Nação. Na AO, se designou como chefe a um funcionário com vínculos fortes com o governo. Apesar disso, a situação na Argentina parece avançar.

 

            No índice anual da percepção da corrupção de TI que vai de 0 a 100 pontos (sendo 0 a pior qualificação), o Brasil tem estado sempre debaixo dos 50 pontos.

Frente aos escândalos públicos e devido ao progresso da área de transparência e anticorrupção, se tem tomado medidas importantes para controlar este flagelo. De especial importância é a Lei de improbidade administrativa, que define o enriquecimento ilícito e os atos que prejudicam as arcas públicas. Outra norma relevante é a Lei contra a lavagem de dinheiro e ocultação de bens. Por iniciativa da sociedade civil, também se aprovou a Lei de registro limpo, que impede que um político condenado postule a cargos públicos. Em 2013, logo das massivas protestas, se promulgou também a Lei anticorrupção, que define a responsabilidade das empresas privadas pelos atos contra à administração pública. Em matéria de transparência, no ano 2009 se ditou uma lei que obriga a todos os governos a publicar na internet seus gastos e ingressos. Finalmente, em 2011 se aprovou a Lei de acesso à informação, aplicável a toda a administração pública, incluindo o nível local, o Poder Judicial, o Poder Legislativo, assim como o Ministério Público. No entanto, normas recentes têm permitido usar a “delação compensada”, ou seja, um acordo entre investigadores e investigados para que estes ajudem a aqueles a câmbio dum trato mais benévolo. Dita técnica está sendo muito utilizada na operação Lava Jato que está dividindo o Brasil agora mesmo.

Quanto aos órgãos, a Policia Federal e o Ministério Público federal estão atuando contra a corrupção. Outro órgão relevante, criado recentemente, é a Controladoria-Geral da União (CGU), um Ministério responsável pelo Poder Executivo nacional e que tem faculdades de transparência, integridade, ombudsman, investigação e correção.

Ao nível estatal e municipal, o combate contra a corrupção está longe de se empreender. As instituições de controle são muito frágeis. Muitas das leis mencionadas, em teoria, são aplicáveis a nível estadual, porem são ignoradas aí. A Lei de acesso à informação, por exemplo, ainda não tem regulamentada na maioria das cidades. Na prática, exceto exceções, não funciona a nível local. Por certo, as leis e instituições mencionadas também não funcionam perfeitamente nem constantemente a nível federal, mas o Brasil tem hoje muitas mais ferramentas para lutar contra a corrupção.

            No México, se pode dizer que a corrupção é um problema endêmico porque é generalizada, de longa data e está enraizada nas práticas político-institucionais da nação. Tanto as estimações sobre o custo dos atos corruptos nas economias familiares e para a economia nacional como as pesquisas de percepção colocam ao México em lugares pouco honrosos. Em 2017, só o Venezuela teve um lugar pior no continente: o índice anual de percepção da corrupção colocou o México no lugar 135 entre 180 países. Por certo, os custos econômicos são consideráveis. O Fórum Econômico Mundial estima que a corrupção lhe custa ao país cerca do 9% do seu PIB. Transparencia México (o capítulo de Transparency International no México) estima o gravame da corrupção em cerca de 40 mil milhões de pesos (2,15 mil milhões de dólares).

Contudo, parece que o Estado mexicano tem apostado em estabelecer instituições. Além do Instituto federal de acesso à informação, recentemente se criou na Constituição um Sistema nacional anticorrupção. Ademais, o México tem tomado muitas iniciativas internacionais, ainda que com frequência insincera ou meramente cosméticas. Vejamos alguns exemplos:

1) A Convenção das Nações Unidas contra a corrupção, de 2003, se materializou o 9 de dezembro deste ano na cidade de Mérida (no Estado do Yucatán), numa conferência política de alto nível organizada pelo México. Comemorando dita ocasião, a Assembleia Geral da ONU declarou aquele dia como o Dia internacional contra a corrupção. Este tratado tão importante, que entrou em vigor em 2005, se conhece desde então como a Convenção de Mérida. Se bem que isso se pudesse qualificar como um logro em matéria de imagem para o país, seus alcances são meramente formais.

2) Seis anos atrás, um funcionário público mexicano foi postulado com êxito para presidir o Comitê de expertos do Mecanismo de acompanhamento da implementação da Convenção interamericana contra a corrupção (MESICIC) da Organização dos Estados Americanos (agora se trata dum uruguaio).

Estes esforços contrastam com alguns problemas no âmbito nacional. Por exemplo, alguns órgãos do Estado (a autoridade tributaria e a Procuradoria Geral da República principalmente) têm negado acatar resoluções em matéria de transparência. Outra contradição foi a proposta presidencial de abolir o Ministério da Função Pública, instancia encarregada de combater a corrupção no governo federal e da implementação dos mecanismos de controle na administração pública. A pesar de que este Ministério não se tenha destacado por sua efetividade e que o projeto ainda não se tenha concretado, o ponto crucial é que a iniciativa de o abolir não foi acompanhada duma política séria para combater a corrupção. O mencionado Ministério esteve sem Ministro por muitos anos, e desde anos subsiste mais que existe. Por outra parte, os informes da Auditoria Superior da Federação poderiam permitir seguir atos de corrupção. Contudo, o Estado é renuente ou incapaz de o fazer; as investigações persecutórias são ineficientes e com frequência são revertidas pelos juízes de controle constitucional.

            Também tem muitos outros países que têm os mesmos problemas. Contudo, estes últimos anos temos visto muitos casos de corrupção nestes três países. Tivéssemos podido tomar outros países como exemplos, mas a Argentina, o Brasil e o México são os três gigantes do subcontinente; portanto, consideramos que é importante falar deles.

Ao contrário da União Europeia, os países da América latina e o Caribe não cooperam em matéria de corrupção, a pesar de que alguns casos são transfronteiriços. No caso da EU, se implementaram algumas políticas conjuntas, porem se trata dum sistema de integração regional eficiente. No caso latino-americano e caribenho, os sistemas de integração são fragmentados e pouco eficientes; entanto, poderia ser uma mera cooperação. Um país como o Uruguai ou a Costa Rica sempre obtêm bons resultados neste ranking anual; poderiam liderar o desenho de políticas eficientes para o subcontinente ou, pelo menos, para seu sistema de integração regional respetivo (MERCOSUL e SICA). Como em muitos âmbitos, a América latina e o Caribe devem entender que precisam duma cooperação regional reforçada para melhorar a situação, porem desafortunadamente lhe falta muita vontade.